quarta-feira, 2 de julho de 2014

Capítulo XXX - Enmanuel

Paraíso, cinco anos antes de Cristo.

Em algum lugar no Castelo de Júpiter, no quinto reino celestial, fica o acesso ao Solarium. Exclusivo aos arcanjos, a Fortaleza do Sol, como também é conhecida, é o centro do universo. Uma construção feita inteiramente com material único, tão quente e brilhante como a própria estrela mestra do sistema solar. Tal característica permite apenas que os arcanjos consigam entrar na fortaleza sem serem imediatamente destruídos. Nem mesmo Metatron, o mais antigo e poderoso serafim, é capaz de se aproximar do Solarium sem se ferir.
Era o lugar perfeito para que os arcanjos pudessem confabular sem serem incomodados. Já no salão central, o arcanjo Gabriel encontrou-se com aquele que lhe tinha convocado.
- Enmanuel, meu irmão. - disse o arcanjo de pele morena, olhos verdes e aparência sábia. Gabriel era conhecido como O Mensageiro de Deus, A Força de Deus e diversas outras alcunhas.
- Gabriel. - respondeu o Primogênito. - Que bom que tenha atendido ao meu pedido. E que bom que veio sozinho e não contou para nenhum de nossos outros irmãos.
- Confesso que ainda acho estranho. - desabafou Gabriel. - Você está desaparecido, trancado aqui no Solarium há  tanto tempo, desde...
- Desde que eu tive que expulsar nosso irmão. Desde a queda de Lúcifer... - Gabriel viu a tristeza se espalhar pelo rosto do irmão. Enmanuel era o mais pacifista, o mais tranquilo dos arcanjos, avesso a qualquer tipo de violência. Mas também era o mais poderoso, o segundo na escala universal, abaixo apenas do próprio Deus. E foi o único que conseguiu parar Lúcifer e liderar os demais anjos contra uma força de um terço dos demais celestiais do Paraíso que se rebelaram.
- Não foi sua culpa, irmão. - Gabriel tentou consolá-lo. - Lúcifer fez sua escolha, quando quis ser maior que nosso Pai. Ele teve o que merecia, e agora vai pagar por isso até o Altíssimo desperte e o julgue como necessário.
- Não é só ele que está pagando. As almas humanas que ele tem arrastado para seu reino sombrio. - Enmanuel tinha a voz desolada. - Você consegue ver daqui, os castigos que ele inventou? Antigamente, as almas que não mereciam adentrar ao Paraíso eram testadas no Purgatório. Se após um tempo de expiação elas se mostrassem merecedoras, tinham acesso. Se não, voltavam para o fluxo do cosmo e tinham uma nova chance, nascendo novamente, reencarnando. Mas agora Lúcifer arrasta os malignos para seu... Inferno, e lá eles ficam piores do que chegaram. Alguns dominiis dizem que eles estão formando um exército gigantesco com almas corrompidas, novos demônios.
- Esta é a escolha dos próprios humanos, Enmanuel. - respondeu o Mensageiro, convicto. - Este é o preço do livre arbítrio que nosso Pai os concedeu. Cabe a nós apenas orientar para que eles sigam o caminho da luz.
- Mas não percebe? Não estão seguindo! O mundo está cada vez pior, Gabriel. E essa é a desculpa que Miguel precisa para ordenar mais um cataclismo. Ele argumentará que os exércitos de Lúcifer só aumentam com seus novos recrutas, e que o melhor a se fazer será apagar a humanidade e obliterar nosso irmão enquanto pode. Ele nunca concordou com o banimento dele, sempre quis que o executássemos.
- Talvez... - o arcanjo hesitou. - Me perdoe a ousadia, mas talvez ele tenha razão, irmão. Nós mesmos, com nossas escolhas erradas, podemos ter dado a munição para o mal.
- O que quer dizer? Por favor, seja sincero. - Enmanuel pediu, deixando claro em seu tom de voz que não censurava o irmão.
- Enmanuel, quando assinamos o acordo que findou as Guerras Mitológicas, deixamos que os humanos escolhessem a quem cultuar. E nem todo culto ensina que eles devem se comportar de maneira digna o suficiente para merecer o Paraíso. Quando tentamos destruir a civilização com o dilúvio, plantamos um sentimento de ódio pelos celestiais em muitos corações. E quando optamos por expulsar ao invés de destruir Lúcifer, é claro que demos a ele a oportunidade de corromper nossa criação, tudo que fizemos ao lado de Deus.
- Concordo em parte com você, Gabriel. - Enmanuel sorriu. - Mas eu ainda acredito na humanidade, acredito que possamos vencer essa disputa pelas almas... Foi por isso que o chamei aqui. Preciso de sua ajuda.
- Do que precisa?
- Há séculos, sozinho aqui, eu venho pensando nisso. Eu acho que temos que orientar os humanos diretamente. E quando eu digo diretamente, estou sendo literal. Um de nós precisa descer até a Terra e mostrar o caminho correto.
- Não podemos, Enmanuel. - Gabriel retrucou sem pestanejar. - E você deveria saber disso muito bem. Se nos materializarmos, mesmo que consigamos suprimir nossa aura ao máximo, ainda assim a nossa presença é capaz de afetar a realidade e acabar com a alma de qualquer pessoa próxima.
- Eu sei bem disso, mas eu não pretendo apenas me materializar.
- E o que tens em mente? - Gabriel não fazia ideia das intenções do irmão.
- A minha é assumir totalmente a forma humana. Desde a concepção até o nascimento, desde o início até o fim da vida.
- Você... - Gabriel estava pasmo. - Você não pode estar falando sério! Isso nunca foi feito! Eu nem consigo imaginar!
- Eu sei como fazer, e preciso da sua ajuda. Dentre nós, você é especialista em agir no plano astral. Você consegue interagir com as pessoas através dos sonhos. Irei me fundir a você, e tu irás plantar a semente, eu, no ventre de uma mulher. Uma que irei escolher.
- Quer que eu... Quer que eu tenha relações com uma humana através do mundo dos sonhos? - ele começava a duvidar da sanidade do irmão, mesmo sabendo que ele era o mais perfeito entre eles.
- É difícil pedir isso, mas é a única maneira. Além de não poder se relacionar com ela pelo plano físico por causa de sua aura gigante, isso me transformaria em um nefilin, como foram os filhos de Samyaza. Mas a interação direta com ela pelo astral impedirá que a força de sua aura a prejudique. Ou a mate.
- Esse não é o único problema, Enmanuel! - o Mensageiro não estava acreditando no que ouvia. - Se você encarnar totalmente em um corpo mortal desde o ventre de uma mulher, você será mortal! Irá perder grande parte de seus poderes, senão todos! Nenhum anjo nunca fez algo parecido, mas eu sei que você será um simples mortal! E com isso, um dia irá morrer! E se você morrer, eu não sei o que acontecerá com sua alma!
- Eu confio em sua sabedoria, eu também sei disso. - respondeu Enmanuel, com tranquilidade. - Eu tenho vislumbres do futuro, sei o que irá acontecer, e estou convencido que é o certo.
- E o que Miguel fará quando descobrir? Só a sua presença no Paraíso o mantêm sob controle. Se você for, tudo ficará sob o governo dele, já que ele é o segundo filho. O que o impedirá de matar seu corpo mortal? Ele nunca lhe perdoou pelo acordo com os deuses pagãos ou por ter poupado a vida de Lúcifer. O que o impedirá também de convencer Uriel mais uma vez a causar uma hecatombe que destrua toda a raça humana?
- Nossa irmã caçula está diferente. - Enmanuel disse, com confiança. - Ela não será mais persuadida pela fúria de Miguel com facilidade. Rafael segue a mesma linha de pensamento que a minha, mas ele não é o mais indicado para me ajudar. Apenas você pode, Gabriel, e eu sei que vai.
- É claro que sabe... Tudo bem. - finalmente capitulou. - Eu aceito. Ainda não considero uma boa ideia, mas aceito. Já tem alguma mulher humana escolhida?
- Sim. Há tempos eu tenho inspirado os profetas humanos a predizerem sobre a minha ida ao mundo mortal. Vou lhe mostrar quem é ela, e faremos o quanto antes. Não há mais tempo a perder.
- Qual é nome dela?
- A chamam de Maria. Uma jovem de Nazaré.


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